Diva em todos os territórios cênicos e empresária teatral, Tônia Carrero é a estrela da nova Ocupação no Itaú Cultural

Nascida no Rio de Janeiro faz 100 anos, ela se tornou, a partir da década de 1940, uma das maiores atrizes do Brasil, consagrada no cinema, no teatro e na televisão. Tônia morreu em 2018, aos 95 anos, deixando vasto legado cênico e uma família dedicada às artes dramáticas: o filho Cecil, os netos Luisa, Carlos Arthur, João e Miguel e dois de seus oito bisnetos, Vitor e Juliana – todos Thiré. A 56a edição da série Ocupação é dedicada a ela em um rito de celebração e homenagens que encampam a sua atuação.

 

No dia 13 de agosto, às 11h, abre para o público, no Itaú Cultural, a Ocupação Tônia Carrero, com exposição que permanece em cartaz até 6 de novembro. Ela celebra o centenário da atriz em sinergia, durante este período, com mostra de filmes na plataforma de cinema brasileiro Itaú Cultural Play, encenação de Navalha na Carne, com Luisa Thiré no papel da prostituta Neusa Sueli, interpretada por sua avó na década de 1960; leitura dramática das memórias da atriz em seu livro O Monstro de Olhos Azuis, na atuação de seus netos, e uma série de quatro episódios do teleteatro, Tônia, um corpo político, sob direção de Fabiano Dadado de Freitas.

Junta-se a esta programação, um Almanaque – disponível no formato impresso e on-line –, o site e a playlist da Ocupação no Spotify, além de programação educativa diversa, presencial e virtual.

A exposição tem pesquisa, concepção, curadoria e realização da equipe Itaú Cultural, formada pelos núcleos de Artes Cênicas e da Enciclopédia. A cocuradoria é de Luisa Thiré e o projeto expográfico de Kleber Montanheiro.

Como é vocação dessa série, em mais de 230 peças o visitante mergulha na vida, obra e processo de criação da homenageada, revelando também facetas suas menos conhecidas do público. São fotografias, audiovisuais, trechos de filmes, roteiros originais, documentos, jornais, bilhetes, cadernos de anotações da atriz, cartazes de filmes e peças, entre outros. Todo este material vem de fontes como o próprio baú de sua família, os arquivos da Cinemateca, TV Cultura, Instituto Moreira Salles, Museu da TV, Centro Cultural São Paulo, Arquivo Nacional e a coleção de figurinos de Marcelo Del Cima.

 

Tem bilhetinhos pessoais dirigidos a Tônia por Rubem Braga, eterno apaixonado por ela, e Adolfo Celi, o seu segundo marido. Eram muitos os amigos da atriz, o poeta Carlos Drummond de Andrade, a atriz Bibi Ferreira, o autor Manoel Carlos, os compositores Tom Jobim e Vinicius de Moraes, a escritora Clarice Lispector, o ator Paulo Autran, amigo-irmão da vida inteira. Também compõem a mostra, depoimentos gravados na atualidade pelo Itaú Cultural com seus familiares artistas; o ator e diretor Daniel Filho, que discorre sobre a sua atuação nos palcos, novelas e teatro, e Laís Bodanzky, que a dirigiu em 2008, no último filme de que ela participou, Chega de saudade, fazendo par com Leonardo Villar.

 

Percurso

Para quem chega ao espaço expositivo pela entrada à esquerda, a visita ao universo de Tônia Carrero começa pelo núcleo Navalha na Carne. Em um dos seus papéis mais emblemáticos, sobre texto de Plínio Marcos e direção de Fauzi Arap, ela estreou esta peça em 1967, plena ditadura militar, ao lado de Emiliano Queiroz e Nelson Xavier. Seu papel, o da prostituta Neusa Sueli, exigiu que engordasse e falasse palavrões, substituindo a mocinha bonita, de formas elegantes e delicada, conhecida até então. Com este trabalho, ela mereceu não somente o Prêmio Molière de Melhor Atriz, como também marcou o seu posicionamento político ao tomar frente do processo de liberação da peça, inicialmente proibida pela censura da época.

 

Esta foi uma postura frequente na defesa da atriz pela liberdade de expressão e pelas peças em que acreditava. É icônica uma foto dela, presente na mostra, em frente à passeata da greve dos artistas contra a censura e a ditadura, ao lado das atrizes Eva Todor, Eva Wilma, Leila Diniz, Odete Lara e Norma Bengell, em 1968, no Rio de Janeiro.

 

Maria Antonietta de Farias Portocarrero, seu nome de batismo, era filha de Hermenegildo, militar, e Zilda, dona de casa extremamente conservadora. Apesar da patente, ele incentivava sua “Mariinha” no universo das artes. A severa matriarca considerava este um mundo de perdição e queria ver a filha casada e comportada. Como se viu em sua carreira, a garota persistiu em todos os seus sonhos e seguiu em frente. Com o passar dos anos chegou a comentar com seu amigo e parceiro de palcos Paulo Autran que fez de sua vida o que queria ter feito.

 

Neste mesmo núcleo, o visitante é recebido pela voz da própria homenageada, falando de sua carreira. Provavelmente, boa parte do público – especialmente aqueles que têm mais de 30 anos –, lembra de Tônia Carrero por sua participação em novelas da Globo como Pigmaleão 70, ao lado do ator Sérgio Cardoso dirigida por Régis Cardoso, O Cafona, com Francisco Cuoco, sob direção de Daniel Filho e Walter Campos, ou O Primeiro Amor, com direção dupla de Regis Cardoso e Walter Campos, voltando a fazer par com Sérgio Cardoso.

 

No entanto, o percurso dela no mundo das artes foi iniciado pelo cinema e o teatro e este é o foco na entrada à exposição pelo lado direito. Tônia se formou em educação física, casou-se com o artista visual e diretor de cinema Carlos Thiré, com quem teve o único filho, Cecil. Foi estudar na França com Jean-Louis Barrault que a desincentivou de ser atriz. Tinha 25 anos quando voltou ao Brasil e estreou no cinema com Querida Suzana, de Alberto Pieralise, ao lado de Anselmo Duarte e Nicette Bruno. Na sequência foi dirigida por Fernando de Barros em Caminhos do Sul (1949) e Perdida pela Paixão (1950). E por aí seguiu.

 

No final da década de 60, a televisão entrou em sua vida pela mão de Vicente Sesso para fazer, na extinta Excelsior, a telenovela Sangue do Meu Sangue, ao lado de Fernanda Montenegro e Francisco Cuoco, com direção de Sergio Britto. Também por aí seguiu.

 

O teatro foi sua paixão, como atriz, produtora e empresária. Pela sua mão, o então aspirante a advogado Paulo Autran se tornou um reconhecido ator. Juntos, em 1949 estrearam no Teatro Copacabana, no Rio de Janeiro, Um Deus Dormiu Lá em Casa, de Guilherme Figueiredo, sob direção de Silveira Sampaio. Ela também estreou no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) em 1953, Uma Certa Cabana, de André Russin, com direção de Adolfo Celi. Em 1956, já separada de Carlos Thiré e casada com Celi, o casal e Paulo Autran formaram a Companhia Tônia-Celi-Autran, estreando em 1956, Otelo, de Shakespeare, dirigida pelo então marido. Mais uma vez, por aí seguiu.

 

Para se ter uma ideia, segundo levantamento feito pela equipe do Itaú Cultural para o Almanaque desta Ocupação, ela participou de 19 filmes. Só nos estúdios da Companhia Vera Cruz, onde foi parar a convite de Franco Zampari, foram três, que estão em exibição na mostra dedicada a ela na Itaú Cultural Play – Apassionata, de Fernando de Barros e Tico-tico no fubá, de Adolfo Celi – produção indicada no Festival de Cannes como melhor filme –, ambos de 1952, e É proibido Beijar, dirigido por Ugo Lombardi em 1954. Esta companhia teve projeção internacional e, junto, projetou Tônia no exterior como se vê em matéria da revista Scena Muda em exposição na mostra. Além disso, ela fez 15 telenovelas, entre a Tupi, SBT e Globo, onde ainda participou de outros oito programas dessa emissora. Tônia recebeu nove prêmios, encenou 25 peças com Paulo Autran e sete com seu filho. Na Companhia Tônia-Celi-Autran (CTCA), encenou outras 17. No total, a atriz participou de 54 montagens diferentes. Como Neusa, em Navalha na carne, falou 22 palavrões, em um tempo em que era considerado impróprio este palavreado entre as mulheres.

 

Com este pano de fundo, chega-se na mostra ao terceiro e último nicho, o camarim – ou espaço de afetos –, por onde se desenvolve o seu histórico cênico e de vida, desde pequenina.

 

SERVIÇO:

Ocupação Tônia Carrero

De 13 de agosto a 6 de novembro de 2022

Terças-feiras a sábado das 11h às 20h

Domingos e feriados das 11h às 19h

 

 

(Reprodução/Fonte: Assessoria)

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Vanessa Serra é jornalista. Ludovicense, filha de rosarienses.

Bacharel em Comunicação Social – habilitação Jornalismo, UFMA; com pós-graduação em Jornalismo Cultural, UFMA.

Atua como colunista cultural, assessora de comunicação, produtora e DJ. Participa da cena cultural do Estado desde meados dos anos 90.

Publica o Diário de Bordo, todas as quintas-feiras, na página 03, JP Turismo – Jornal Pequeno.

É criadora do “Vinil & Poesia” que envolve a realização de feira, saraus e produção fonográfica, tendo lançado a coletânea maranhense em LP Vinil e Poesia – Volume 01, disponível nas plataformas digitais. Projeto original e inovador, vencedor do Prêmio Papete 2020.

Durante a pandemia, criou também o “Alvorada – Paisagens e Memórias Sonoras”, inspirado nas tradições dos folguedos populares e lembranças musicais afetivas. O programa em set 100% vinil, apresentado ao ar livre, acontece nas manhãs de domingo, com transmissões ao vivo pelas redes sociais e Rádio Timbira.

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